À semelhança do ano transacto trabalhei tanto a véspera como o dia de natal. Como é de esperar, uma vez que faz parte do acordo com o patronato trabalhar todos os feriados. Não me incomoda. No natal, contudo, o espirito dos clientes é diferente dos outros feriados. Primeiro o espanto e o alivio. Afinal onde trabalho é o único estabelecimento num raio de 10 km onde neste dia se pode abastecer o veículo de combustivel, tomar uma refeição ligeira, beber um café ou comprar um jornal das 07 h à meia noite. É assim a sociedade estratificada. O bem estar das classes superiores é atingido graças ao labor e sacrificio das inferiores. Depois abordam-me com uma excessiva dose de piedade, como se fosse um pobre coitado. Está certo que apregoam a época natalicia como época de compaixão mas guardem-na para quem precisa dela. Ou então se sentem algum mal estar pelo sua comodidade interferir com a minha não frequentem os estabelecimentos abertos aos feriados. Se não houver clientes nestes dias o comércio permanecerá fechado por certo.
Para mim o natal não tem nenhum significado especial. A escolher um feriado que no meu entender faça sentido celebrar o dia 25 de Dezembro ocuparia, por certo, um dos últimos lugares da lista.
Para quem não tenha reparado metade dos feriados nacionais da república portuguesa são feriados religiosos. Ou seja, metade dos dias que a economia de um estado, que se quer laico, pára deve-se à influência católica. Os católicos têm possibilidade de participar nas sete mais importantes datas do seu calendário religioso sem se preocuparem com o absentismo ao trabalho. Este facto não põe em causa a liberdade religiosa de ninguém mas representa um grande fosso entre os direitos dos individuos que professam a religião maioritária e os demais. Pode ser distracção minha mas nunca ouvi nenhuma voz representante dos portugueses insurgir-se contra esta afronta à laicicidade do estado. É muito menos impopular discutir se um prego de uma das quatro paredes brancas de uma qualquer escola pública numa das aldeias do país deverá ostentar um crucifixo ou um chouriço. A questão é a mesma mas retirar os simbolos religiosos não é suficiente para separar o estado da igreja. Só rompendo com a igreja onde de facto há cumplicidade com a sociedade viveremos de facto livres da sua influência. Imaginem que os 7 feriados religiosos eram transformados em dias de férias. Que percentagem de trabalhadores pensam vocês que os gozariam na pascoa, corpo de deus, assunção, etc.? Uma minoria certamente. O que perderia a economia com isso? Absolutamente nada, bem pelo contrário. O que justifica então que um estado laico celebre 7 datas religiosas como feriados nacionais? Talvez se deva perguntar como num país no qual metade dos feriados nacionais são religiosos se pretende que haja essa tal independência da igreja.
3 comentários:
Concordo com tudo. E no brasil são mais de 7 dias.
Hum... é uma perspectiva válida, sem dúvida. No entanto, penso que é importante não descurar que os feriados (parte deles, pelo menos) existem como dias especiais nas sociedades desde tempos ancestrais, seguramente anteriores ao cristianismo - por exemplo: o dia de Natal é "especial" para a nossa sociedade há uma porrada de centenas de anos, assim como a Páscoa ou até o menos "bento" Carnaval. São tradições que fazem parte da identidade de um povo (vários povos, até), não necessariamente por serem desta ou daquela religião - daí que a mesma data possa ser "dia especial" em mais do que uma religião. Claro que um Dia do Corpo de Deus ou da Imaculada Conceição são casos flagrantes da tal afronta à laicidade do Estado de que falas.
Quanto à piedade enquanto estado de espírito da época, podes sempre contrapor com algo simples e prático: pragueja enquanto fazes os trocos - de preferência contra o menino Jesus. Vais ver que se acaba depressa esse sentimentozinho cristão.
É um prazer ter a presença do sr guitarrista nesta hulmide cidade. Abraço companheiro.
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