Quando a ordem é injusta, a desordem é já um princípio de justiça.

23 janeiro, 2006

Não voto e a minha consciência está tranquila

Este Post não estava planeado. Acontece que de visita ao blog blogotinha consegui-me ainda rir um bocado com o post Dedicação Patriótica. Resumindo em poucas palavras o post apresenta umas quantas maneiras bem originais de "boicotar" o voto. Parte dos comentaristas indignou-se, porque votar é coisa séria e não se brincam com as coisas sérias.
Eu nasci em 1978. Não pude escolher a minha nacionalidade nem a minha pátria. Fizeram de mim católico baptizado sem questionarem a minha convicção religiosa. Impingiram-me uma história com centenas de anos de guerra, conquistas, colonialização e escravatura e mandaram-me orgulhar dela. Disseram-me que pertencia a uma espécie que vivia da exploração do homem e dos recursos do planeta e que ainda era minha obrigação reproduzir-me assegurando a sua sobrevivência (Os seres vivos nascem, crescem, reproduzem-se e morrem - resumia-se assim quatro verbos uma existência que teima em não fazer sentido). Colocaram barreiras à minha sexualidade não fosse eu ter comportamentos desviantes. Inseriram-me no serviço miltar obrigatório alheados do facto de convictamente eu ser um pacifista. Por fim obrigaram-me a fazer parte da sua democracia concedendo-me o direito (aliás dever) de ser recenseado e votar.
Mas as leis e as regras valem o que valem. O que me preocupa é a moralidade dos actos. Não a moral dos filósofos ou dos teólogos mas a obrigação de agir perante os outros da mesma forma que exijo que ajam comigo. Votar, participar no dever civico, é participar na eleição de uma elite cujas escolhas serão as minhas. Ainda que não seja eleito o candidato que se apoia, votar é aceitar o sistema tal como está. Em suma seria renunciar às minhas convicções em favor da opinião maioritária. Nunca o farei!
Não me venham falar das dezenas de anos de ditadura e da conquista da liberdade porque não sei do que estão a falar. Salazar foi-me apresentado como o bicho mau dos livros de história mas ainda oiço nas conversas de barbeiro a bela expressão: Se Salazar fosse vivo! Não entendo que os mesmos que foram capazes de travar uma guerra contra a auto-determinação de vários povos e culturas não tivessem audácia para travar a luta pela sua própria liberdade. Como já disse nasci em 1978 e repeito as vossas lutas com o direito que me assiste às minhas reservas. Não aceito é que apontem as vossas frustrações às gerações que não viveram antes de 74. Acima de tudo, não me venham dar lições de moral. O mundo, tal como é, tem mais obra vossa que minha. Poderia ser melhor mas os vossos votos não têm feito grande coisa, pois não.

9 comentários:

Diego Armés disse...

Tudo muito bem, estás no teu pleno direito. Porém, tomando essa opção, não te reconheço outros direitos. Um deles, por exemplo, é escrever isto: "Penso que me lembro de ver a tua (nossa) geração percorrer as avenidas das vilas e cidades em protesto contras as politicas desse senhor. Mas afinal ele ate e um bom rapaz. Um mal menor pelos vistos." Se não te identificas com o sistema nem queres ter voto na matéria, pelo menos que a tua abstenção seja absoluta, tal como as tuas convicções. Haja coerência. Ou só estamos cá para "nos rirmos um bocado nos próximos quatro anos?" É fácil sacudir a água do capote e, invariavelmente, dizer "não tenho nada a ver com isso, vocês é que votaram, vocês é que escolheram" e, depois, criticar o que os outros fizeram. E esse o teu princípio de activismo?

Alxarife disse...

Amigo, o pior cego e aquele que não quer ver. Ou sou tolo ou parece-me que tenho que levar com os gajos que voces escolhem. Ou achas que a gnr e a judiciaria deixa um gajo viver a seu belo prazer. Ou achas que eu posso viver fora do sistema com a vossa compreensão. Ou será que fazes sequer uma palida ideia do que e viver fora do sistema. Acreditar nas convicções como tu dizes deixa-nos em pe de igualdade, porque aposto o meu testiculo esquerdo como tu não cumpres todas as regras do sistema que defendes.

Diego Armés disse...

Cumpre uma boa parte das regras do sistema em que vivo. Não se trata de defender ou não. Aliás, tu fazes exactamente o mesmo que eu. A única diferença é que barafustas mais...

A democracia é imperfeita e injusta. Certo. Mas, ainda assim, é o mais equilibrado dos sistemas. E a prova e que podemos discutir o assunto abertamente, à distância, no conforto de uma cadeira provavelmente almofadada e ajustável. Que raio, este sistema será assim tão mau como o pintas? Na minha perspectiva, há bem piores. Quando há gente que é torturada, gente inocente morta em atentados terroristas estúpidos, gente verdadeiramente espoliada e sem qualquer hipótese de ser bem sucedida na vida (i.e., ter uma existência minimamente digna) e vejo a malta a protestar contra o "nosso" sistema, dá-me uma certa azia. É opressor? É manipulador? Castrador? Não digo que não o seja, até certo ponto. Mas também é aberto, minimamente livre e com oportunidades muito menos injustas do que as que encontras em todos os outros sistemas.

Que critiques o sistema por, por exemplo, fomentar o egoísmo e a competição, até podemos concordar - não vivemos, de facto, uma sociedade equalitária e fraterna. Mas, caramba, os homens nunca poderão ser todos iguais. Há-de sempre haver elites. Há-de haver sempre uma medida que faça com que determinado inívíduo se superiorize em relação aos demais.

Podes alegar que a sociedade é demasiado materialista. Concordo. Só não concordo com a disposição dos termos. Reformulo: a generalidade dos indivíduos que compõem a sociedade ocidental é demasiadamente materialista. Agora, nem todos o são. E os que o são, são-no por opção, não por obrigação. Se são manipulados, então como explicar que outros não o sejam?

Eu julgo que a constante culpabilização de um sistema é, em larga medida, uma forma de desresponsabilizar o próprio indivíduo. Seja em que situação for. E, repara, tu não gostaste destes candidatos à presidência. Tudo muito bem, é um teu direito - e dever - opinar sobre eles. Contudo, escudaste-te na abstenção para não te responsabilizares por um erro. Acho mal. Poderias ter votado em branco, manifestando oficialmente o teu desagrado. Repara que a democracia, o "sistema" (já pareces o Dias da Cunha), até te põe à disposição artefactos para te manifestares: o voto em branco, o voto nulo, a própria abstenção. Ok, podes acrescentar que isto já parece a letra do FMI, com o pessoal a vir à rua de cravo na mão, todos os dias, manifestar-se a horas certas e dentro da lei que o sistema impõe. Mas o que é certo é que a lei não "impõe": sugere e disponibiliza. Tu tomas a responsabilidade dos teus actos e suas consequências. E não estamos a falar de uma lei censora nem castradora: é uma lei apenas civilizada. Qual é o problema de a sociedade ter regras? Os jogos de fytebol não as têm? Não serão as regras necessárias, até à própria evolução - da tecnologia, do pensamento, dos valores morais?

Não quero com tudo isto desrespeitar o teu direito à negação ideológica dos sistema, evidentemente. Só não gosto que me acusem levianamente e com arrogância. Tens tanto direito a ser arrogante para com as minhas crenças como eu tenho em relação a ti e às tuas. Se eu assumo a minha participação cívica e saudável convivência - dentro dos possíveis - nesta sociedade imperfeita, não vejo onde encontras razão para escarneceres de mim.

E, pela minha parte, fica encerrado o assunto.

Alxarife disse...

Não leves as minhas considerações tanto a peito. Aceita democraticamente o meu direito à arrogancia. Permite o meu escarnio como eu aceito sobreviver aqui na safe european home. Não vou ilibar quem tem responsabilidades e não abdico de acreditar que a excelencia da especie humana não passa por sistemas de organização socio-politica subjugada ao poder do capital e à exploração do homem pelo homem.

Se cumprir uma boa parte das regras é uma bitola aceitável para se viver em boa convivencia e em democracia eh pa então um assassino, que infrinja essa regra uma unica vez, pode estar no topo dos cidadãos respeitáveis.

E se este é o melhor dos sistemas porque não é universal. Se calhar não serve os propósitos doutras latitudes e longitudes.

Seremos iguais?
Folgo em saber que pelo menos barafusto mais.

Diego Armés disse...

"Se cumprir uma boa parte das regras é uma bitola aceitável para se viver em boa convivencia e em democracia eh pa então um assassino, que infrinja essa regra uma unica vez, pode estar no topo dos cidadãos respeitáveis." É para rir, isto? Ou estás a gozar comigo e eu estou só a perder o meu tempo? Ser cidadão implica cumprir todas as regreas? Então para que servem as regras e as regulamentações? A sério, estás a gozar comigo?

"E se este é o melhor dos sistemas porque não é universal. Se calhar não serve os propósitos doutras latitudes e longitudes." Sim, concordo. Na China, no Irão, na Nigéria, em Cuba, no Iraque, vive-se muito melhor, numa sociedade muito mais justa que a ocidental-europeia. Aliás, podíamos aprender muito com os Ayatolas, por exemplo, ou com os mujahedine ou com os talibã. De facto andamos aqui a dormir, armados em zombies, num mundo merdoso, com tantos exemplos de justiça, igualdade e fraternidade por toda a parte, numa admirável mundo que teimamos em substimar... Repito: estás a gozar?

Alxarife disse...

Não é preciso enervares-te. São questões pertinentes. Interessa-me saber como um conjunto de regras que moralmente têm algum tipo de limite ate onde podem ser violadas é mais decente que a ausencia delas. Isto é: se tu sabes até onde podes quebrar as regras que te impõe sem te tornares um crápula não saberás também impor restrições ao teu comportamento na ausencia de obrigações mantendo-te fiel à tua identidade moral. Um assassino não será sempre um assassino? Precisas de ser penalizado pelos teus actos para saberes que a tua conduta não é a mais correcta?

Nos paises que referes, as elites que tu admites terem de existir sempre, são servidas pelo tipo de regimes que por lá proliferam. As elites ocidentais estão bem satisfeitas com os sistemas que andam por cá. É tão bom ser banqueiro em portugal como um senhor da guerra no afeganistão. Ser um sem abrigo em portugal ou um refugiado africano tb me parece estar sensivelmente no mesmo patamar de infelicidade. Se a questão é numeros, é uma verdade que no mundo ocidental ha mais pessoas a viver bem que no hemisferio sul ou para la do sol nascente. Mas quando se vive na merda pouco importa se se faz parte da maioria ou da minoria.

Tenho uma dúvida.

O que explica a pobreza? Não há recursos no planeta para sustentar a sua população? Ou a gestão desses recursos é feita a belo prazer pelas elites segundo o seu proprio proveito? Ou de facto a pobreza serve os interesses de alguem?

Agora eu aceito que a vida e curta demais para um gajo se chatear muito com estas merdas, desde que o meu quarto esteja quente a noite e haja comida no prato e o patrão não falte com o pagamento no dia 31 dou graças a um deus que não existe por não viver pior. Barafusto um bocado mas isso deve ser mau feitio, e so para chatear.

Diego Armés disse...

Quanto à conduta e à auto-regulamentação moral, temos mais ou menos o mesmo princípio. Acontece que, para poder existir essa tal auto-regulação (o nulismo, que um dia chegámos a discutir, entre garrafas de cerveja), é preciso que a comunidade atinja um patamar civilizacional muito mais avançado e consistente. Putas, ladrões e assassinos sempre existiram. E não creio que, em muitos dos casos, existe o discernimento para distinguir o bem do mal, o certo do errado. Se eu cometer um crim, sei que estou a fazer mal. Mas se um puto da rua me assaltar, está a fazer pela vida, sem se importar muito com a moralidade. A lei faz falta.

Eu não disse que o sistema é perfeito. Disse que era o menos imperfeito, o menos injusto.

Não me parece comparável - até do ponto de vista moral - o conforto de alguém que trabalha para ganhar o seu com o luxo de um senhor da guerra, que expolia e maltrata a esmagadora maioria da sua população.

Quanto à pobreza e os desequilíbrios, é difícil de explicar que a situação ainda seja esta me pleno século XXI. Agora, não me parece que a resolução do problema passe pelo colapso da civilização tal como a conhecemos. Aliás, se há qunhentos anos atrás a vida, por estas bandas, era mais coisa menos coisa como o é, hoje em dia, na África sub-sahariana, acho que há que ter esperança: daqui a algum tempo, as coisas poderão - deverão - estar mais equilibradas. Não no meu tempo de vida, nem dos meus netos - se os tiver -, mas há-de chegar o dia. Nesse aspecto, talvez eu seja demasiado optimista em relação ao ser humano. Mas a História mostra que temos vindo a progredir - há 500 anos os pretos eram tratados como animais; hoje os próprios animais têm direitos regilamentados. Isto é evolução. O tempo, as gerações que se sucedem e os erros que ficam para a História vão construindo uma nova consciência que faz com que o ser humano vá respeitando e olhando o que o rodeia de um modo cada vez mais sensível. Partindo deste princípio - desta crença -, acho que as coisas só podem melhorar.

Alxarife disse...

Tudo o que possa acontecer depois da minha não exsitência parece-me, francamente, sem grande importância. Eu não posso esperar nem sinto responsabilidade de participar na construção lenta de uma sociedade que acredito não estar no caminho da excelencia. Bem pelo contrário. Desse modo, creio que ainda na nossa vida, assistiremos ao acentuar do fosso social, ao aumentar das dificuldades, ao ódio crescente, ao colapso das economias mais fracas.
Sinto que ainda te vou ver na rua outra vez de punho erguido contra o poder.
Nessa altura vamos concerteza relembrar esta discussão e os nossos pontos de vista permanecerão diferentes. Continuaremos com a liberdade de nos exprimirmos a vontade ou porque a tua democracia gentilmente nos permite ou porque não haverá castigo suficientemente grande para nos fazer calar.

Diego Armés disse...

Ainda que esperando que te enganes profundamente, nunca digo desta água não beberei...