Quando a ordem é injusta, a desordem é já um princípio de justiça.

08 fevereiro, 2006

O Belo Infeliz - Histórias de um Cidade

Naquela cidade viveu em tempos o mais lindo dos homens. A sua beleza foi disputada por todas as donzelas da cidade. Foi assediado por mulheres casadas, viuvas, por freiras e por meretrizes, solteiras, separadas, por lesbicas e por transformistas, divorciadas, abandonadas, por gays e por travestis. Partilhou o leito com rainhas, princesas, aias, prostitutas, nobres e pobres, peixeiras, rameiras, sopeiras, actrizes, belas e feias. Conheceu os meandros do sexo, a inocencia da masturbação, o conforto do sexo consentido, a audacia de um ménage a trois, a loucura de uma orgia, o drama de uma violação. Correu mundo, teve filhos de todas as raças, espalhou a sua semente em todas as religiões. Foi amado, desejado, idolatrado, teve mulheres obcecadas por ele, viu virgens suicidarem-se na sua frente por não o merecerem. Mas não amou! Nunca amou nenhuma daquelas mulheres. Eram apenas peças de carne no açougue da libido e do despudor. Eis senão quando, um dia, esplendoroso dia primaveril que em pouco ficava a dever a uma tarde de agosto, os seus olhos se depararam com a mais pura das meninas. Na inocencia da sua idade adolescente banhava-se despida na tépida àgua da ribeira. Os seios recém formados eram de uma perfeição celestial. A cor da pele, levemente dourada, faria inveja aos autores das mais belas telas, a penugem pubica que timidamente despontava transmitia uma suvidade de qual anjo cujas asas esvoaçavam no paraiso. Quando os campos de visão de ambos se cruzaram não havia força no universo suficiente para evitar a determinação com que os corpos se precipitaram um no outro. O corpo da jovem foi possuido selvaticamente dentro de agua mas a beleza do momento fundiu as duas almas numa so. Aquele homem tinha finalmente encontrado o amor. Mas com o amor veio também a tragédia. Castigado por ter vivido o seu unico amor, o mais proibido de todos. "Pois com que moralidade um homem possui uma criança e a inicia na devassidão suja do sexo" - assim proclamava o juiz o seu crime. Nem a intenção de desposar a menina salvou o homem do cárcere. Desterrado no buraco mais fundo da prisão mais esquecida da ilha mais remota, condenado à solidão até ao fim dos seus dias o homem voltou a não ter quem amar. O maior tesouro que demorara tanto a encontrar havia-lhe sido tomado. Na altura que o enjaulavam para embarcar rumo ao seu ultimo destino viu a sua bela amada por cobro à própria vida esventrando-se com um punhal. Como estava infeliz... não mais do que sempre fora mas com a mesma intensidade com que sempre tinha sido. Lembrou-se da unica vez que tinha sido feliz, naquela bela tarde, aquela em que amou.

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